20.6.09

MANIFESTO EM FAVOR DAS CASAS DE PARTO BRASILEIRAS

La Leche League Brasília dá seu apoio ao manifesto a seguir, elaborado pelo presidente da Rede pela Humanização do Nascimento em ocasião do fechamento da Casa de Parto do Realengo no Rio de Janeiro.

EM REPÚDIO AO FECHAMENTO DA CASA DE PARTO DAVID CAPISTRANO FILHO - RJ

RECONHECEMOS:
Que o modelo de assistência que orientou a organização dos serviços de saúde no Brasil é um modelo voltado para a doença e para o risco;
Que este modelo adota o paradigma de processamento industrial da assistência, objetificando sujeitos e, portanto, não abrindo a possibilidade de reconhecimento das individualidades e subjetividades, assim como não se sensibilizando para a manifestação do sofrimento e da dor;
Que uma das expressões mais perversas desse modelo é a linha de produção de cesáreas, que em muitas ocasiões desconsideram questões referentes à maturidade fetal, assim como o que seria mais recomendável como boa prática obstétrica;
Que o alto índice de cesarianas e outras intervenções desnecessárias, além de se refletirem em maior dano para mães e bebês, coloca nosso país como alvo preferencial de críticas por parte de organismos internacionais e de cientistas adeptos das boas práticas;
Que partos e nascimentos NÃO são fenômenos de doença, mas sim, a mais alta expressão de saúde, vigor e vitalidade – uma vez que é quando a VIDA se expressa em seu mais alto poder gerador;
Que o atual modelo de assistência ao parto e nascimento apresenta uma grande contradição: por um lado não atende à população de alto risco, haja vista as altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal, e por outro, não atende à população majoritária de mulheres de baixo risco, haja vista a excessiva medicalização da assistência, onde práticas antigas e ultrapassadas ainda fazem parte da maioria das rotinas hospitalares (enema, tricotomia, episiotomia. ..).

EM CONSEQUÊNCIA:
Somos favoráveis à proteção e incentivo às atuais Casas de Parto em funcionamento em nosso país, assim como AO ESTÍMULO para abertura de outras casas de parto, com assistência prestada por enfermeiras, porque: • Casas de parto são modelos de assistência a partos e nascimentos baseados na visão desses eventos como processos saudáveis e contribuintes para maior qualidade de vida e saúde das mulheres e seus bebês; • Nesses ambientes é possível a prestação de atendimento mais individualizado, mais respeitador dos processos fisiológicos e naturais; • As enfermeiras, dependendo de como terá sido sua capacitação, terão condições de conduzir a assistência adotando mecanismos não farmacológicos de controle da dor, assim como de adotar medidas não invasivas e menos traumatizantes na condução do processo de parto – e de realizar a reanimação neonatal de acordo com os princípios da Academia de Pediatria Americana quando for necessário; • Mulheres que desejem a assistência ao parto em Casas de Parto devem ser de baixo risco de desenvolver complicações maternas ou perinatais no período de pré-parto, parto e pós-parto. • A assistência em Casa de Partos tem resultados que vão além da redução de morbidade e mortalidade (que são mais frequentes nos ambientes que tratam de doentes, como os hospitais): a facilitação do vínculo mãe-filho, ou mãe-pai-filho é potencializada, com efeitos na saúde mental e social da família; • Em países desenvolvidos, como Holanda, Japão, Alemanha, Áustria e outros, cujos indicadores de mortalidade e morbidade são consideravelmente baixos, assim como suas taxas de cesárea, esse modelo de assistência a partos e nascimentos em casas de parto por obstetrizes faz parte da rotina de atendimento obstétrico – profissionais de enfermagem e medicina atuam como equipe, em colaboração, no sentido do melhor bem-estar possível de mães e bebês. • Para mulheres de baixo risco a assistência ao parto em casas de parto resulta em uma maior satisfação por parte das mulheres e de suas famílias, em redução dos custos e conseqüente melhoria na alocação dos recursos financeiros e, principalmente, em indicadores EQUIVALENTES AOS MELHORES RESULTADOS OBTIDOS EM NOSSAS MELHORES MATERNIDADES.
PORTANTO, consideramos que: A mudança de modelo de assistência que vem sendo corajosamente proposta pelo MINISTÉRIO DA SAÚDE: a) leva em consideração recomendações de organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Centro Latino Americano de Perinatologia, Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), assim como as mais atualizadas publicações constantes na Biblioteca OMS de Saúde Reprodutiva e Biblioteca Cochrane, o que se convencionou denominar Medicina Baseada em Evidências Científicas; b) está solidamente legitimada em diretrizes políticas emanadas do Ministério da Saúde, que inclusive instituiu linhas de financiamento para constituição de casas de parto e habilitação de enfermeiras obstétricas; e c) é um avanço no sentido de se oferecer assistência humanizada e baseada em evidências científicas.
E, FINALMENTE, Acreditamos que as reações e atitudes contrárias ao funcionamento destas Casas de Parto são resultantes ou de um profundo desconhecimento das recomendações internacionais e, principalmente, das evidências científicas, ou de resistências à mudança de modelo, seja por conveniências que não consideram o que seria melhor para mães e bebês, seja por compromissos escusos com o grupo de profissionais que se beneficia com a atual situação de excesso de intervenções. Em pleno século XXI onde o acesso à informação é simples e está disponível a todos que queiram abalizar suas práticas com o que há de apropriado segundo critérios de rigor científico.
É INADMISSÍVEL aceitar ações arbitrárias, arrogantes e que desconsideram a Enfermagem como um todo, a população (que tem o direito de receber uma assistência digna, eficiente e baseada em evidências) e uma significativa parte da corporação médica que se nega a aceitar a "medicina baseada em eminências" e seus mitos; Médicos conhecedores de evidências científicas e preocupados com o bem-estar de mães e bebês são e serão sempre nossos aliados e parceiros, neste movimento iniciado há mais de dez anos PELA HUMANIZAÇÃO DO PARTO E NASCIMENTO!

Florianópolis, 07 de junho de 2009
Marcos Leite dos Santos
Obstetra
Universidade Federal de Santa Catarina
Presidente da ReHuNa

El restaurante materno....

Amamentação: uma expressão do amor

Uma preocupação enorme dos pais é sobre o hábito dos lactentes de chuparem seus dedos e tudo que encontram pela frente.
Geralmente chegam a conclusão precipitada que os bebês estão com fome, que a amamentação não os satisfazem. O lactente apresenta uma sucção reflexa ("automática") como resposta a qualquer objeto que lhe toque os lábios. Este reflexo de sucção aparece no feto na 32ª semana de gestação, sendo comum flagrarmos alguns bebês sugando seus dedos intra-útero.
As crianças (até em torno dos 18 meses) estão na fase psico-sexual-oral, i.é, na etapa do desenvolvimento da libido, chamada oral, e sentem muito prazer em sugar ! O fato de sentirem-se bem sugando, "experimentando" o mundo é uma das primeiras manifestações de nossa sexualidade.
Eles se bem cuidados, assistidos, atendidos, carregados no colo, evoluirão naturalmente para outras etapas da sexualidade humana: a anal (em torno dos 2 anos), a genital (em torno dos 3 anos), a edipiana (4 – 6 anos) de latência (na fase pré-puberal)... até o padrão adulto.
Deixe-o sentir conforto, segurança, prazer ao descobrir e sentir o mundo com sua boca... Chupar os dedos dele ou os seu (dedo mínimo com a unha voltada para baixo, para sua língua) alivia a dor (ação analgésica da sucção não-nutritiva), o tranqüiliza, o faz relaxar e sentir-se seguro, protegido...
Para alguns bebês, a necessidade e o prazer de sugar são maiores do que para outros... Se o ambiente está tenso o bebê pode ficar aflito e ter maior necessidade de sucção não-nutritiva. Este é o têrmo técnico que utilizamos. Há sucção não-nutritiva até no peito, o bebê faz um movimento de chupar sem retirar leite, é uma sugada mais rápida (2-3 sucções por segundo) do que a sucção nutritiva (1 sucção por segundo) que o alimenta.


...
"A imensa afetividade dos mamíferos inicia-se do modo mais doce e adorável, quando crianças que saem imaturas do ventre das mães necessitam da proteção e calor dessas mães peludas nos seios das quais se aleitam."
Edgard Morin – Amor Poesia Sabedoria

Logo de início quero deixar bem claro que não estou dizendo que "quem não amamenta não ama". A maioria das mulheres não tiveram acesso a informação, esclarecimento, apoio, e foram bombardeadas pelo marketing das mamadeiras, chupetas, fórmulas infantis desde sua infância ou tiveram profissionais e serviços de saúde que não facilitaram este delicado início... dificultando o estabelecimento do aleitamento materno.
Na atualidade sabemos que a amamentação não é um ato instintivo, ainda que natural, e sim uma cultura que precisa ser recuperada e que é necessária um conjunto de habilidades, de informações, de técnicas para o êxito da alimentação ao seio.
Quero refletir sobre um pequeno conjunto de mulheres que tem acesso a informações, são apoiadas, orientadas, incentivadas e mesmo assim não conseguem, não querem (embora esta decisão seja difícil de ser assumida por ser politicamente incorreta). Na verdade, algumas mães podem não estar disponíveis emocionalmente para esta ato tão íntimo, que faz parte da sexualidade humana...

Como estes casos de desmame precoce aparecem no nosso cotidiano ?
"o bebê não pega no peito, não quer mamar";
"o peito rachou, dói muito"
"o bebê chora muito – eu não tenho leite"
"dou o peito toda hora e ele não ganha peso"
"o peito empedrou, tive uma mastite e o médico pediu para parar"
"não como adequadamente e o meu leite é fraco"
"o meus seios são meus órgãos sexuais e não quero que eles caiam"
...


Sabemos pela psico-fisiologia da lactação que a amamentação é um ato psicossomático complexo, que o leite é produzido no peito e na cabeça.
Que para amamentar com prazer há que se ter tranqüilidade, disponibilidade física, temporal, emocional-afetiva, a generosidade de compartir seu corpo, seu colo com o outro, querer dar, poder trocar, estabelecer uma relação muito próxima, profunda, de entrega...
A intenção não é a de colocar "culpa" ou melhor responsabilidade sobre a mulher que não tem paciência ou disposição... O que é necessário é entendermos as origens deste fenômeno que são profundas e podem começar em como esta nutriz atual foi concebida por sua mãe, amamentada ou não, carregada no colo ou não, sua trajetória afetiva familiar e seus relacionamentos conjugal, sexual, sua maneira de conviver com amigo(a)s, sua solidão...
Neste caso parece ser mais fácil utilizar-se da mamadeira porque não é preciso romper com as dificuldades até então guardadas e escondidas no íntimo mais profundo. A mulher que não entende que para mudar precisa romper com as dificuldades e que decidir ter um filho é antes de mais nada, se preparar para mudanças. Ao dar a mamadeira a mulher não sai comprometida a transformar-se, a procurar as causas mais superficiais (erros de técnica, crenças e tabus, desconhecimento do seu próprio corpo e de como o leite é produzido e ejetado/liberado) e os determinantes mais profundos (psíquicos, anímicos, espirituais, energéticos...) desta impossibilidade.
Amamentar é desejo, vontade, entrega, doação, troca, prazer com o outro.... Como pode uma mulher se entregar a um filho se não consegue se entregar a si mesma ? Talvez esteja aí a chave para ajudarmos tantas mulheres a recuperarem a sua auto-estima e confiança em si próprias e aí sim, teremos mulheres prontas para a vida de mãe no sentido completo que esta simples palavra expressa.

"As várias formas de amar são, na verdade, integradas, já que os mesmos hormônios estão envolvidos e os mesmos padrões de comportamento ocorrem durante
a relação sexual, o parto e amamentação."
Michel Odent

O leite é mais produzido "na cabeça", na nossa psiqué, resultado de nossa emoções de querer ou não, do que nas mamas.
Um exemplo que comprova esta afirmação: mães que adotam bebês sem terem estado grávidas, podem amamentar se estão disponíveis, se querem... Nós profissionais de saúde podemos apoiá-las com algumas técnicas, com algumas medicações, mas são elas e o seu desejo, o determinante do sucesso.


A OCITOCINA produzida pela neuro-hipófise é o hormônio do amor, do prazer,
das liberações/ejeções, da doação, da entrega...
A PROLACTINA secretada pela adeno-hipófise é o hormônio da maternagem...
Antigo na escala evolutiva, servindo a múltiplos papéis...
Mediando o cuidado com a prole, desde a construção do ninho, por ex. , até o comportamento agressivo defensivo, típico das nutrizes.

Quando uma mãe não quer ou está em um momento emocional que não pode, não há técnica, medicamentos, apoio, aconselhamentos que a remova da decisão. Para amamentar tem que querer poder e estar aberta a mudanças. E muitas vezes estes sinais de não disponibilidade já foram dados durante o pré-natal: sua visão das mamas como objeto sexual exclusivo, achar bonito o uso de mamadeiras e chupetas, não querer se preparar para o parto e amamentação em cursos de gestantes...
Há que se ter paciência e propor, sugerir, tentar não impor... e se mesmo assim a decisão é inflexível em não dar o peito, é melhor realmente não ofertá-lo. Uma última tentativa, que o complemento então, seja dado no copinho, ou na xícara para que a disfunção motora-oral ("confusão de bicos") não se estabeleça e que este bebe possa ter contato pelo menos com os seios para satisfação do seu prazer oral em sugar.

"O vínculo entre mãe e bebê é o protótipo de todas as formas de amor."



Autor: Dr. Marcus Renato
Publicado no
www.aleitamento.com em 26/3/2003